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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

Cap - LI


Tita

07.10.16

Teresa: Tu não queres ter filhos?

Clara: Eu não estou preocupada se vou ou não ter filhos. E a questão dos filhos nada tem a ver com a minha orientação sexual. Se um dia quiser ter filhos, terei. Com certeza a mãe já ouviu falar em técnicas de reprodução assistida.

Teresa: Que ridículo. Um filho com duas mães. Que tipo de educação receberia essa criança?

Clara: O quê?

Riu-se

Clara: Mas acha que essa criança seria homossexual? Será possível que seja isso que a mãe está a pensar?

Riu-se de novo.

Clara: Olhe a mãe, por exemplo. A mãe é heterossexual e eu sou homossexual. Está a ver?

Teresa baixou significativamente a cabeça. Num gesto que Clara não conseguiu alcançar com precisão.

Clara: Mas, como lhe disse, a questão dos filhos não me importa. O que me importa é a Joana. E é preciso que a mãe saiba e compreenda de uma vez por todas que eu não poderia viver sem ela. Daria em doida.

Teresa: Que disparate. Dar em doida. Isso não te aconteceria jamais.

Teresa sabia perfeitamente do que falavam.

Teresa: Achas então que estás preparada para te comprometeres dessa maneira. Sabes que a vida te apresentará extensa faturas a pagar.

Clara: Mãe, eu não quero discutir mais este assunto. Estou cansada. E… olhe, que venham as faturas.

Teresa: Desde que te relacionas com a Joana que estás diferente. Pareces outra pessoa.

Clara: Admito que possa estar mais crescida.

Teresa: Isso quer dizer que já não precisas de mim?

Clara: Oh, mãe! Preciso muito de si. Preciso mais agora do que antes. A sua aprovação é fundamental. É a minha família. A pessoa a quem eu posso recorrer sempre que precisar. Sem si, é mais difícil encarar o mundo.

Clara apontou a voz em direção ao chão.

Clara: Mas se a mãe quiser cortar comigo…

Teresa: Cortar contigo? Estás doida? Eu alguma vez te abandonei?

Clara: Não. Mas desta vez…

Teresa: Desta vez quis muito evitar porque… Ora, deixa. Queres a Joana? Quem me dera que não quisesses. Esperam-te tantas dificuldades. Mas se a queres… Tenho medo de ti. De onde te vem tanta segurança? Já pensaste como seria se ela te deixasse, por exemplo?

Clara: Morria, mãe.

Teresa: Não digas coisas assustadoras, Clara. Eu sou a tua mãe.

Teresa lembrou-se que Madalena lhe tinha dito que se sentiu a morrer.

Clara: Ela não vai partir.

Teresa: Não sei. Não a conheço.

Teresa recordou que deixou Madalena malgrado tudo o que lhe prometera.

Teresa: Há tantas coisas que tu desconheces e é preciso saberes. E não é sobre ti e a Joana.

Clara: Então?

Teresa: É sobre mim.

Teresa começava finalmente a tomar o impulso necessário. Clara parou o leve sorriso que tinha no rosto.

Clara: Sabe, mãe, sempre tive a impressão de que em si existiam lugares misteriosos. Recantos do seu espirito que são só seus. Finalmente vai responder a tantas perguntas que eu tenho para lhe fazer mas não tinha coragem?

Teresa: Sem dúvida.

Clara: E porquê. Porque o vai fazer agora?

Teresa: Porque a tua e a minha vida se alteraram definitivamente.

Clara: Em que é que a sua vida se alterou tanto? Só porque a sua filha é lésbica?

Teresa: Isso também.

Clara: Também?

Clara franziu a testa.

Teresa: Muita coisa muda para uma mãe que se confronta com um dado desses. Mas no meu caso, é mais do que isso. Eu própria me alterei. Não por tua causa. Mas por outras razões.

Fenómeno raro, Teresa não olhava a filha de frente quando falava. Estava concentrada nos seus pensamentos. Achava que era necessário fazer isto para se assegurar que no fim Clara compreenderia tudo. Na verdade, ela própria tentava perceber melhor as coisas que se preparava para explicar. Para Clara a mãe estava com uma postura corporal mole e um olhar disperso. Não se lembrava de a ter visto muitas vezes assim. “Nunca a mãe apareceu assim para falar comigo.”. A fragilidade que Teresa involuntariamente lhe comunicava, estava a perturbá-la seriamente. Uma certa impressão de insegurança tomou-lhe conta dos membros. E agora aproximava-se do peito.

Clara: Explique, mãe.

Teresa: Por exemplo, sabes quantos namorados eu tive?

Clara: Lembro-me de muito poucos. Mas tem este agora por quem está apaixonada, como eu nunca a vi antes.

Teresa: Pois eu diria que não tive nenhum.

Teresa não pretendia prolongar por muito tempo a conversa.

AZUL - Cap XXXVIII


Tita

30.09.16

Sexta-feira. Teresa pegou no telefone.

Teresa: Ainda estou no escritório. Vou sair tarde. Estou cheia de trabalho.

Madalena: Não faz mal. Também estou a trabalhar.

Teresa: Não faz mal?

Madalena: Não. Desde que passes a noite.

Teresa: Passo claro. Até já avisei a minha filha.

Madalena: Fizeste bem.

Teresa: Tiveste saudades minhas ontem à noite?

Madalena: Muitas.

Teresa: Eu também.

Madalena: Sabes, querida, eu gosto de ter saudades tuas. Gosto de ficar a pensar em ti. E, quando penso, o teu corpo vem até à palma da minha mão.

Madalena olhou para a sua mão nua, aberta e um pouco suada.

Teresa: E depois, querida?

Madalena: E depois o desejo espalha-se pelo meu corpo e agita-me.

Teresa: E tu fazes-te, querida?

Madalena riu-se.

Madalena: Às vezes. Outras vezes abraço-te e adormeço por embriaguez.

Calaram-se por uns instantes. As palavras agora ditas em silêncio ouviam-se através da pele. Respiravam profundamente.

Madalena: Tu és linda, mulher.

Os cantos da boca de Teresa arquearam.

Madalena: Teresa, tu és uma brasa de cair para o lado.

Teresa: E tu és podre de boa.

Madalena: Poder de boa, Teresa? Já não sou uma miúda para ser podre de boa.

Teresa: Tu deves ter tipos em fila atrás de ti.

Madalena: Não tenho nada.

Teresa: Tens, querida. Porém, quem te anda a comer sou eu.

Madalena riu-se.

Teresa: Achas que estou a falar como os homens? O que te pareço?

Madalena: Pareces-me muito excitante.

Madalena fechou o riso.

Madalena: Tu é que és boa. Muito boa. E eu gosto que sejas boa. E adoro ter uma mulher boa como tu. E talvez um dia te possa levar muitas vezes a passear para te exibir e comer quando quiser. Gostaste, querida?

Teresa: Gostei imenso.

Teresa respirou fundo.

Teresa: Sobretudo gostei da ideia de passear contigo muitas vezes. De teres dito que um dia gostavas de fazer isso. Adoraria ser exibida por ti e ser comida as vezes que quisesses. Mas tu não me amas para tanto. Porque foste dizer isso.

Madalena: Tu gostavas de ser exibida por mim?

Teresa: Quando digo que te amo, falo a sério. Só não me quero exibir com alguém que quer que tudo termine.

Madalena: Por vezes és obtusa, tu. E um bocadinho autista. Tu não percebes que eu não posso amar uma mulher que não quer viver ao meu lado?

Teresa: Estou confusa. Não podes amar mas amas. E queres que acabe porque eu não saio do armário?

Madalena. Até que enfim!

Teresa: Mas porque andaste a dizer que não me amavas?

Madalena: Porque não é justo que eu te ame. Não mereces. Quebraste-me há vinte anos atrás. E agora vens dizer que me amas mas só queres estar comigo às escondidas. Queres manter a tua imagem para o mundo. E eu não estou para aturar isso. Não confio em ti. Não te vejo capaz de reparar o que fizeste no passado. E só havia uma forma de o fazer: assumindo o nosso amor.

Teresa: O que sei é que sinto um amor enorme por ti. E que já não me imagino a viver sem ti. Vivi vinte anos numa perfeita loucura. Portanto, tenho que dar uma solução a isto.

Madalena: Queres dar uma solução a isto? Queres terminar?

Teresa: Olha, Madalena, tu também és um bocadinho obtusa. Mas eu respondo-te depois. Tenho umas coisas para tratar antes de te dizer. Por hoje, só quero fazer muito amor contigo.

Madalena: E como queres que eu faça amor contigo sem saber?

Teresa: Tens que confiar em mim. Por muito que te custe.

Madalena: Está bem. Vem cá ter.

Teresa: Chego um bocadinho tarde, meu amor.

Madalena: Eu espero.

Teresa esteve quase para lhe dizer o que tinha para tratar. Mas achou que Madalena não a compreenderia imediatamente. Não tinha disposição para argumentar com ela. Sentia-se vergada pela novidade que Madalena lhe trouxera. Em vez de se sentir feliz e, por isso, leve. Porque com este dado novo era preciso mudar de vida. Agora já fazia sentido falar com Clara. Era mesmo necessário. Seria o seu primeiro passo em direção a Madalena. “Vou contar-lhe tudo este fim-de-semana. Amanhã mesmo".

AZUL - Cap XXXVII


Tita

29.09.16

Clara encetou uma reflexão.

Clara: Por exemplo, desde o início que ela me deu liberdade para pensar e agir. Porém, de acordo com um conjunto de princípios e de regras que são dela. Porque é minha mãe e os filhos devem seguir as linhas orientadoras dos pais.

Joana estava profundamente calada.

Clara: Ela é uma pessoa coerente. Esses princípios e regras são que melhor servem a sua forma de sentir e de pensar.

Joana mantinha-se calada. Porém, agora estava estupefacta com o que Clara lhe ia contando.

Clara: A questão é que me levou a crer que todos eles seriam tão bons para mim como são para ela. Em suma, a minha mãe educou-me como se fossemos iguais. Durante muito tempo convenceu-me. Até há pouco o meu maior objetivo era ser como ela. Alcançar aquele especial tom de azul. Lembras-te?

Joana: Sim. E já não é?

Clara: Não. O azul que eu quero está conquistado. É o teu. De resto, a cor é apenas uma coincidência. Tu és minha por isso tenho o teu azul. Que é completamente diferente do dela. Porque tem uma função muito distinta na minha vida.

Ofereceu a Joana um sorriso cândido.

Clara: O que sinto por ti extravasa, naturalmente, o universo particular das minhas relações com a minha mãe. Um universo que, até tu apareceres, era quase toda a minha vida.

Joana deu-lhe um beijo suave na boca. Ali mesmo no bar.

Clara: Não sei como ela reagirá à nossa relação. Não sei o que fará. Agora, quanto à mentira, não tenho dúvidas. Ela odeia a mentira. E nisso somos quase iguais. Embora ela seja bastante mais fundamentalista do que eu. Portanto, já vês, sinto-me muito desmoralizada. E estou com medo.

Joana: Medo dela?

Clara: Sim. Principalmente.

Joana: Querida, tu e a tua mãe vivem num estado anormal de sujeição relativamente à verdade. A verdade é um princípio. Uma linha orientadora de comportamentos.

Clara: Pois. É o que eu digo. A verdade é fundamental.

Joana: Querida, a verdade, enquanto princípio, ponto de partida para os nossos atos, deve ser respeitada. No entanto, não podemos olhar para ela com a submissão cega de quem é desprovido de sentido crítico e de bom senso. Sob pena de fazermos mais mal do que bem aos outros e a nós próprios. O facto de não teres contado imediatamente à tua mãe que namoras comigo não é um grande pecado. Nem chega a ser verdadeiramente uma mentira porque tu nunca quiseste manter a tua mãe na eterna ignorância. Se não fosse a necessidade que tens de resolver certas coisas na tua cabeça já lhe terias contado.

Clara: Com certeza. Mas eu contei-lhe uma série de mentirinhas que, todas juntas, significam que já lhe preguei uma grande mentira sobre a pessoa que eu sou.

Joana: Bem, estás mesmo decidida a contar-lhe já?

Clara: Sem dúvida.

Joana: Quando vais contar-lhe?

Clara: Neste fim-de-semana.

AZUL - Cap XXIV


Tita

22.09.16

Madalena voltara-lhe na forma de mulher crescida. Amavam-se sem reservas quase diariamente. No entanto, ela dizia repetidas vezes que não a amava. “Uma mulher adulta é isto. E isto é uma mulher cínica”. Na sua perspetiva, Madalena sabia demais sobre mulheres. Porque vivera relações que não devia ter vivido. “Será tudo culpa minha? Ela precisava mesmo ter passado pelo que passou? Tantas estórias de desencanto! “.

“Madalena”. Teresa não parava de pensar nela. Era uma mulher simples. Porque nela inexistiam truques. Nos seus traços não se viam picos sinuosos ou contrastes extraordinários. Mesmo nas cores foram aplicadas em tons suaves com discreto brilho. Teresa acordou de pensar nela pela necessidade de controlar as pernas e os braços e as palavras. Para não ir até ela. Ligou-lhe.

Teresa: Hoje não vou aí.

Madalena: Porquê?

Teresa: Porque tenho de estar com a minha filha. Ontem não a vi. Quando cheguei a casa, ela já estava fechada no quarto a dormir, suponho.

Madalena: Supões?

Teresa: Não. Acho que sim. Dada a hora. Mas não entrei no quarto para confirmar. Eu raramente lhe entro no quarto. E ela raramente vai ao meu. Embora nunca se tranquem as portas naquela casa.

Madalena: Sim eu sei. Naquela casa nunca se trancam as portas. E depois… Bem, deixemos isso.

Teresa: Sim deixemos isso, por favor.

Madalena: E manténs a tua ideia? Vais contar-lhe sobre nós?

Teresa: Vou. Mas não será hoje. Hoje só quero estar com ela.

Madalena: Como se nada se estivesse a passar e a vida fosse como antes.

Teresa: Talvez…

Madalena: Vou sentir a tua falta.

Teresa E eu a tua.

Madalena: Por acaso hoje parecia que adivinhava que não vinhas.

Teresa: É como eu te disse, tu sabes a forma perfeita de como eu te quero.

Madalena: Não. É como eu te disse. Apenas conheço as fórmulas da química.

Teresa: Não te armes em engraçada. Tu sabias que eu poderia querer estar com aa Clara por causa da minha decisão.

Madalena: Sabia porque era evidente. No entanto, é a decisão mais estúpida do mundo.

Teresa: Já me disseste.

Madalena: Está bem. Não insisto. Faz como quiseres. Tu fazes sempre como queres. Sempre foi assim. Comigo foi assim.

Teresa: Pois foi. E tu nunca o esquecerás. Por isso não confias em mim. Como se uma miúda transformada em mulher não pudesse ser já outra coisa.

Madalena: Até agora ainda não vi outra coisa.

Teresa: Porque ainda estás cega.

Madalena: Porque a minha vida ficou até hoje marcada por ti da forma que sabemos.

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